A PUJANÇA DO AMANHÃ
Autor(a): Carlos Eduardo de Oliveira Mohrstedt
A brisa soprou para longe as mazelas que assolavam toda a terra. O cenário era devastador. A tristeza nas trincheiras da alma de diversas casas. A enfermidade levou anseios, sonhos e possibilidades, mas não foi capaz de destruir a chama da confiança no coração machucado daqueles que têm fé.
E foi assim que Zé acordou naquela manhã, em seu pequeno humilde vilarejo. Os olhos calejados de quem havia perdido tudo. Do pouco que tinha, nada sobrou. A plantação destruída, a despensa vazia.
O corpo do velho cachorro, amigo da tantas horas, estirado no terraço já sem vida. As lembranças da esposa, companheira de batalhas, parceira de derrotas e conquistas, presentes em sua mente. A chaga cravada na pele pela falta de despedida.
A ferida ainda aberta por se lembrar de vê-la agonizando na porta do hospital que, com as portas cerradas, negara a atendê-la. O bilhete escrito à mão informando que não havia leito disponível, o segurança o encarando sem compaixão por entre a fresta da janela, o descaso os deixando por conta do próprio destino.
Dona Januária foi embora como bicho. Jogada na rua, esquecida e desimportante. Ouvindo os anjos a chamando aos poucos. A falta de ar, a sujeira, a tosse seca. Zé repetia seu salmo preferido e lhe assegurava que ia ficar tudo bem, mesmo sabendo que não ia. Velou a mulher ainda viva.
Agradeceu por Tobias, o filho mais velho, já ser homem feito e ter procurado seu caminho anos atrás. Nicolle, a do meio, tinha o casório encaminhado com rapaz direito, da vizinhança. Enquanto o menor, chamado por todos de Pimpolho, ainda precisava de sua guarida. Guardou forças em nome dele.
Por mais estranho que possa soar, foi um alívio perceber que Januária não estava mais ali.
— Descanse em paz, meu amor. — Desejou, com o peito encharcado de lágrimas. — Que Nosso Senhor Jesus Cristo te receba de braços abertos.
Quando regressou, Pimpolho apresentou os mesmos sintomas que a mãe. Sabendo que não suportaria outra perda, pediu auxílio ao noivo de Nicolle. Após várias tentativas, o jovem levou o pequeno a um hospital na cidade vizinha. Sem ter como acompanhar, Zé e a filha passaram semanas se alimentando de oração.
Mas os ventos mudaram e trouxeram a luz em meio a tanta escuridão. A doença que assolava o mundo foi aos poucos se dissipando. Pimpolho retornou curado, apesar de ainda muito fraco.
Mas Zé não podia reclamar. Sempre acreditou que tudo aquilo ia passar, por mais doloroso que fosse. A natureza até pode trazer tempestades, mas sempre haverá uma flor a desabrochar na primavera.
E ela estava ali… um ponto rosa sobrevivendo à destruição, contrastando com o mato mal cuidado ao redor.
— Como será que ela nasceu, papai? — Indagou Pimpolho, maravilhado por tamanha beleza.
—Com o poder do amor, meu filho.
— Queria que a mamãe estivesse aqui vendo também.
—Algumas pessoas quando descansam, se tornam em estrelas. Mas Januária era tão especial, que Deus a transformou nesta linda flor, para que ela pudesse estar mais perto de nós.
A partir daquele momento, Pimpolho a cuidou com afinco, acariciando cada pétala, com todo carinho que possuía. Dedicado, em alguns anos, já havia crescido um vistoso jardim no campo aniquilado de outrora.
— Januária não é mais apenas uma. — Refletiu Zé, abraçado com seu filho, já crescido.— Agora ela é várias, ela é todas. Muitos tamanhos, tantas cores… Não importa como somos, só precisamos viver em harmonia. A diferença nos torna mais belos.
— Que possamos tirar uma lição deste capítulo de dor. Talvez, Ele só quisesse nos lembrar de que somos humanos.
—Mas vamos entrar. O entardecer está mais frio que antes por essas bandas.
—O sopro divino permanece aqui para nos purificar. – Ensinou Pimpolho, de olhos fechados e com o sorriso em direção ao céu. — O mesmo vento que limpou o ar sombrio da melancolia e nos trouxe a esperança de um novo raiar de sol, semeou o meu jardim de mamães.